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sábado, 17 de março de 2018

Passarão as nuvens da guerra? Ou eclodirá a tempestade?

Alastair Crooke, Sic Semper Tyrannis, in Conflicts Forum

Traduzido pelo Coletivo Vila Vudu

O ódio compulsivo contra o presidente Putin nos círculos das elites ocidentais já superou tudo que se viu durante a Guerra Fria. 
Os Estados ocidentais têm insuflado a hostilidade em quase todas as esferas: Na Síria, na Ucrânia, em todo o Oriente Médio, na Eurásia, e agora esse ódio já penetrou o Conselho de Segurança da ONU, tornando-o irrecuperavelmente polarizado – e paralisado. Essa hostilidade também já extravasou para os aliados da Rússia, contaminando-os. E alimenta – quase inevitavelmente – novas sanções contra a Rússia (e seus amigos e aliados) sob o guarda-chuva onde cabe tudo e mais alguma coisa da Lei para Enfrentar Adversários dos EUA mediante Sanções [ing. Countering America's Adversaries Through Sanctions Act]. Mas a verdadeira questão é: essa histeria coletiva levará à guerra?
Ed Curtis nos faz lembrar da escalada quase parabólica do antagonismo em semanas recentes:


"Aconteceu, ao mesmo tempo em que as acusações geradas na órbita da operação chamada 'Rússia-gate' caíam aos pedaços (...). Em todo o espectro da mídia, de estenógrafos das grandes empresas como o The New York Times, CNN, National Public Radio, The Washington Post, até as revistas The Atlantic e Nation e outras publicações 'esquerdistas' como Mother Jones e Who What Why, os ataques e calúnia contra Rússia e Putin ganharam tom de histeria absoluta, à qual se soma a obsessão anti-Trump (...) "Rússia vê eleições de meio de mandato [nos EUA] como chance para semear novas discórdias" (NY Times, 2/13), "Homem forte russo [Putin] cometeu um dos maiores atos de sabotagem política na história moderna" (The Atlantic, Jan. /Feb. 2018), "Última ação de Mueller mostra que Trump ajudou Putin a encobrir um crime" (Mother Jones, 2/16/18), "Passeio pela Rússia para realistas" (whowhatwhy.com, 2/7/18), etc."


Ao pintar implicitamente a dita "interferência" dos russos nas eleições presidenciais nos EUA como "ataque à democracia norte-americana" e, assim, como "ato de guerra", o "Estado norte-americano clandestino" [ing. 'Covert American State', também chamado "Estado Profundo", denominação que oculta o traço de clandestinidade no tal 'Estado' (NTs)] repete o mesmo enquadramento midiático que teve o ato de guerra em Pearl Harbour, que decretou o ataque dos EUA ao Japão. Agora, o "Estado norte-americano clandestino" faz o mesmo, pari passu, ao sugerir incansavelmente que um suposto esforço dos russos exigiria 'revide' similar à que o Japão sofreu.

Em todo o Oriente Médio – mas especialmente na Síria – está instalado o pavio gigante para acender uma conflagração, com conflitos ou incipientes ou reais entre Turquia e curdos; entre o Exército Turco e o Exército Árabe Sírio; entre forças turcas e forças dos EUA em Manbij; entre forças sírias e forças dos EUA; entre forças dos EUA e a Força Aérea dos EUA, entre soldados russos e forças aeroespaciais russas; entre forças dos EUA e do Irã e, por último, mas não menos importante, entre Israel e Síria.

É uma montanha de material combustível. Qualquer incidente nesse quadro de volatilidade condensada pode escalar perigosamente. Mas o ponto não é esse. O ponto é: Será que toda essa histeria anti-Rússia implica que os EUA consideram uma guerra por escolha contra a Rússia? Ou consideram uma guerra de apoio a um reset da paisagem do Oriente Médio, em benefício de Israel e Arábia Saudita? Os EUA provocam deliberadamente a Rússia (assassinando soldados russos, por exemplo, como ação militar de tipo 'soco no nariz' e provocação contra a própria Rússia), à espera de que os russos respondam à provocação?

Guerra não provocada também é, claro, possibilidade muito presente: Os dois estados, Israel e Arábia Saudita passam por graves crises internas de liderança. Israel pode forçar o próprio alcance, e os EUA também podem invadir alcances alheios, sempre no anseio feroz de garantir apoio a Israel. Na verdade, o serviço de sempre pintar o presidente Trump dos EUA como fantoche de Putin tem tudo a ver, claro, com tentar induzir Trump a provar o contrário – e ordenar uma ou outra ação contra a Rússia – mesmo que contrarie instintos de melhor qualidade que haja nele.

Na Conferência de Segurança de Munique, o primeiro-ministro Netanyahu disse: "Já há algum tempo tenho alertado sobre esse desenvolvimento [um plano que o Irã teria para completar um "crescente xiita"]. Deixei claro por palavras e ações que Israel fixou linhas vermelhas que defenderemos. Israel continuará a impedir que o Irã estabeleça presença militar permanente na Síria (...) Agiremos sem hesitar para nos defender. E agiremos, se necessário, não apenas contra agentes locais do Irã que nos atacam, mas contra o próprio Irã."

E na mesma conferência, o Conselheiro de Segurança Nacional dos EUA H.R. McMaster alertou no sábado contra crescentes esforços do Irã para apoiar seus agentes e procuradores locais no Oriente Médio; McMaster disse que "a hora de agir é agora", contra Teerã.

Mas o que McMaster quis dizer com "a hora de agir"? Estará encorajando Israel a atacar o Hizbullah ou forças ligadas aos iranianos na Síria? Isso, quase com certeza levaria Israel à guerra em três ou quatro fronts; e há bons motivos para crer que o establishment de segurança de Israel não querexpor-se ao risco de guerra em três fronts. 

É possível que McMaster estivesse pensando mais em guerra híbrida de pleno espectro ou guerra de contrainteligência [ing. COIN], não em guerra convencional, sobretudo porque Israel não pode mais (depois que seu F16 foi derrubado) ter certeza de que ainda mantenha a supremacia aérea, sem a qual os israelenses não podem contar com, nem podem ter qualquer esperança de, se imporem no confronto.

Com altos oficiais israelenses já reclamando sobre a distância que separa a retórica e a ação dos EUA, o general Josef Votel, comandante do Centcom, disse com todas as letras, ao confirmar a proposição contrária, numa audiência no Congresso dia 28/2, que "opor-se ao Irã no cenário de guerra não está entre as missões da coalizão na Síria".

Assim – só resta mesmo a histeria anti-Rússia. Não nos parece que a Síria seja locus viável para guerra por escolha nem para os EUA nem para a Rússia. Os dois países são limitados pelas realidades da Síria. As forças dos EUA não são numerosas: estão isoladas e dependentes de aliados – os curdos – que são minoria naquela parte da Síria, estão divididos e não contam com simpatias e solidariedade da população árabe. E as forças russas consistem, principalmente, de apenas 37 aviões, número pequeno de conselheiros e instrutores russos e as linhas russas de suprimento são longas e vulneráveis (no Bósforo).

Não, o objetivo dos EUA na Síria é limitado a negar qualquer sucesso político seja ao presidente Putin, seja ao presidente Assad. É puro schadenfreude[gozar ante o infortúnio de terceiros]. A ocupação norte-americana do nordeste da Síria só tem a ver com cuspir na cara do Irã – vale dizer, não parar de insistir em manter ativa uma guerra de contrainteligência contra inimigo generacional dos EUA.

E ao mesmo tempo, no plano macro, geoestratégico, os EUA vinham tentando precisamente 'desarmar' as defesas nucleares russas e tomar a vantagem, desde quando se retiraram do Tratado dos Mísseis Antimísseis".[1] Além de deliberadamente cercar a Rússia, em todas as fronteiras, com mísseis antimísseis (o Tratado dos mísseis antimísseis só cobria um lado do território – para cada lado – que ficaria protegido contra mísseis atacantes). A estratégia dos EUA efetivamente deixara nua a Rússia, no sentido da proteção contra ataque nuclear. Esse, claramente, sempre foi o objetivo dos EUA. 

No Discurso à Assembleia da Federação Russa, dia 1/3, o presidente Vladimir Putin disse:


"Em 2010, Rússia e EUA assinaram o Tratado de Redução de Armas Estratégicas [ing. START], com medidas para prosseguir na redução e limitação de armas estratégicas de ataque. Mas à luz do plano para construir um sistema global de mísseis antimísseis, que ainda prossegue até hoje, todos os acordos assinados no contexto do Novo START estão agora sendo gradualmente esvaziados, porque, enquanto o número de transportadores e de armas é reduzido, uma das partes, a saber, os EUA, permite o crescimento constante não controlado do número de mísseis antimísseis, melhora a qualidade dos mísseis e constrói novas áreas para lançamento de mísseis. Se não fizéssemos alguma coisa, isso levaria à completa degradação do arsenal e os mísseis poderiam ser simplesmente interceptados."


Mas foi depois que o 'quarteto dos generais' (na prática, o general Petraeus integra a trindade dos generais da Casa Branca) usurparam do presidente a prerrogativa para determinar a política exterior dos EUA, que a política de defesa dos EUA foi convertida em algo pior que 'Guerra Fria', em algo muito mais agressivo – e perigoso, com movimentos precursores de 'guerra quente'.

Depois da Declaração Estratégica [ing. Strategic Statement] original, que definiu Rússia e China como "rivais e concorrentes", a subsequente Declaração da Postura da Defesa [ing. Defense Posture Statement] promoveu os dois países, de meros rivais, a "potências revisionistas", vale dizer, chamou-as de sublevacionistas, dedicadas a derrubar a ordem global pela força militar [definição de "poder revisionista"].

A Declaração Estratégica pôs a competição contra grandes potências num degrau acima do terrorismo, como a ameaça primordial que os EUA enfrentam; e, por implicação, que essa ameaça 'revisionista' à ordem global liderada pelos EUA tinha de ser contida. 

Os generais norte-americanos reclamaram que a dominação aérea global que sempre foi prerrogativa dos EUA, estava sendo erodida pela Rússia, que agia como 'criminosa incendiária' [antiestabilidade], ao mesmo tempo em que se apresentava como "bombeira" [na Síria]. O general Votel deixou implícito que a dominação dos EUA nos céus tinha de ser reafirmada.

Mas em movimento surpreendente que mudou todo o quadro estratégico e destruiu o plano de os EUA prenderem a Rússia num cerco de mísseis, tudo que os EUA estavam há muito tempo tentando impor à Rússia, o presidente Putin anunciou ontem que:


"Àqueles que nos últimos 15 anos dedicaram-se a acelerar a corrida armamentista e buscaram arrancar vantagens unilaterais contra a Rússia, impondo restrições e sanções – que são ilegais do ponto de vista da Lei Internacional –, com vistas a conter nosso desenvolvimento nacional, inclusive na área militar, digo o seguinte: – Tudo que vocês tanto tentaram impedir que acontecesse, com essa sua política ilegal, já aconteceu. Ninguém conseguiu conter a Rússia."


O presidente da Rússia anunciou um conjunto de novas armas (inclusive mísseis movidos a energia nuclear, invulneráveis por qualquer tipo conhecido ou em estudos de defesa antimísseis, armas hipersônicas e veículos subaquáticos pilotados à distância, inter alia). E essas armas, de modo realmente impressionante, fizeram voltar a situação ao status quo ante: estão recriadas as condições de mútua destruição assegurada [ing. mutually assured destruction (MAD)], no caso de a OTAN atacar a Rússia.

O presidente Putin disse que várias vezes alertou Washington para que não insistisse em instalar mísseis antimísseis em torno da Rússia – "Ninguém quis nos ouvir. Agora, nos ouvirão", disse ele. E disse mais:


"A doutrina militar da Rússia diz que a Rússia reserva-se o direito de usar armas nucleares exclusivamente em resposta a ataque nuclear, ou a ataque com outras armas de destruição em massa contra nosso país ou nossos aliados, ou em resposta a ato de agressão contra nós, com armas convencionais, que ameacem a própria sobrevivência do Estado russo. Tudo aqui está claramente especificado.
Assim sendo, entendo que é meu dever anunciar o seguinte:
Qualquer uso de armas nucleares contra a Rússia ou seus aliados, de armas de curto, médio ou longo alcance e em todos os casos, será considerado equivalente a ataque nuclear contra nosso país. A retaliação será imediata, com todas as consequências que se devem esperar de ataque desse tipo contra a Rússia e aliados.


O presidente Putin ressaltou que absolutamente não está ameaçando os EUA, nem a Rússia alimenta ambições revanchistas. Trata-se, simplesmente, de a Rússia usar a única linguagem que Washington entende.

******
O discurso de Putin, acompanhado de imagens das novas armas russas, explica pelo menos em parte o que se vê hoje em Washington: os EUA são presa de um surto de loucura que os faz desejar gastar alucinadamente. O Pentágono provavelmente ouvir alguma coisa a respeito dos avanços russos – daí o desmesurado aumento no orçamento da Defesa para esse ano, com mais 9% de aumento para o próximo ano, e o compromisso (não registrado no orçamento) de que o Estado financiará a construção de nova frota de submarinos nucleares, a troca do sistema Minuteman de mísseis, e o desenvolvimento (custo não especificado) de novas armas nucleares (táticas).

O gasto será monstruoso para o governo dos EUA. Mas a Rússia já tomou a liderança e, com tudo que foi feito, a dívida do governo de Putin permanece em tranquilos 12,6% do PIB. A dívida interna dos EUA já está em 105% do PIB (e o esforço armamentista ainda nem começou). 

Cabe ao presidente Reagan o crédito de ter impulsionado o renascimento econômico da URSS, ao empurrar os soviéticos para a corrida armamentista. Hoje, os EUA são os mais vulneráveis, com dívida interna descomunal, sobretudo se tentarem reverter a 'surpresa de primavera' que Putin lhes trouxe e (se puderem) reconquistar a antiga primazia global convencional e nuclear que, por hora, está perdida.

Resta aos EUA, portanto, uma escolha: ou reinicia (reset) suas relações com a Rússia (i.e. volta a buscar a détente), ou expõe-se ao risco de precisar de tal volume de empréstimos que detonará a credibilidade do dólar. Os EUA, pela própria cultura, são habituados a agir militarmente 'onde, quando e como' bem entendam. Deve-se prever que se mostre incapaz, por força da própria cultura, de evitar o velho vício, o velho hábito tantas vezes repetido. Assim sendo, um dólar fraco e custos crescentes do serviço da dívida parecem inevitáveis: todos os atores estão no palco, prontos para reencenar a era Reagan. Naquele momento, foi a Rússia quem deu passo maior que a perna, tentando alcançar os EUA. Dessa vez, pode ser o vice-versa.

A retórica anti-Rússia histérica continuará – tão profundamente inserida está, como 'artigo de fé' – mas tudo faz crer que os EUA precisarão reconsiderar, antes de continuar a provocar a Rússia na Síria. Se os EUA planejam acertar 'um direto no nariz na Rússia' por causa de alguma escalada na Síria, nesse caso os postos militares isolados e vulneráveis dos EUA no leste da Síria perderão o sentido, ou começarão a sofrer baixas, ou as duas coisas.

A questão agora deve ser como o exercício civilizado da Rússia para 'dizer a verdade ao poder' afetará a política dos EUA para a Coreia do Norte. Os 'generais' dos EUA não gostarão da mensagem do presidente Putin, mas provavelmente podem fazer bem pouco contra ela. Mas na Coreia do Norte é diferente.

A Grã-Bretanha, em momento de fraqueza, saindo da 2ª Guerra Mundial também queria que o mundo acreditasse que ela continuava forte (por mais que os sinais de fraqueza fossem visíveis para todos). Para demonstrar a própria 'força', a Grã-Bretanha meteu-se na desastrosa Guerra do Suez. Esperemos que a Coreia do Norte não se converta no momento Suez dos EUA.*****



[1] Ou "Tratado dos Mísseis Antimísseis". A tradução "Tratado dos Mísseis antibalísticos" é errada. Só aprendemos hoje, graças à correção de um leitor especialista, a quem agradecemos muito [NTs].

blogdoalok

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